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VIDA, ANTES E APÓS MORTE

É curioso como a grande maioria das pessoas, e por isso a maior parte dos sistemas de crença, se centram, ainda que com recurso a abordagens e formas distintas, na questão da vida após a morte.


Entre os caminhos do céu, purgatório e inferno, entre reencarnação e transmigração, há um centro de gravidade convergente na ideia de que, após a vida terrena e consciente da sua existência, se dá um período de transformação e consequente progressão para outra fase, ou outro estágio de existência. Deste modo, somos marcados pela relação “existência e processo futuro”, focando parte do nosso questionamento no que virá (e se virá).


Curiosamente, o exercício oposto quase nunca ou raramente é feito. Assumimos que existimos, convertendo-nos nesse pensamento num marcador temporal, um ponto zero e, daí, resultará esse algo desconhecido no após EU. Então e o que existe antes do EU? Será um suposto nada? E desse suposto nada, por um processo de ordem biológica converti-me em EU?


Se fizermos um paralelo com a ciência clássica e os seus mais recentes desenvolvimentos percebemos que:


1) No universo nada se perde, tudo se transforma. Nada cessa a sua existência, tudo se converte em outra realidade qualquer;


2) A física quântica traz-nos a possibilidade de se ser e não ser ao mesmo tempo, assim quebrando as barreiras do espaço e do tempo; lança-nos a proposta da infinidade de realidades e universos, como que em camadas, abrindo a possibilidade de múltiplas existências paralelas;


Assim, socorrendo-nos destes conceitos abrem-se campos amplos de possibilidades. Se nada se perde, então após o EU deverá dar-se outra qualquer forma de EU. Seja expressa no domínio espiritual, energético ou biológico, existiremos de alguma forma. Por outro lado, se são plausíveis os princípios da física quântica (entre outros), então será plausível a possibilidade de transitarmos além daquilo que o EU terreno e consciente tem como cognoscível.


Resta-nos a questão: Então e o antes de mim? Vejamos (recordando) em primeiro lugar um artigo escrito anteriormente:


No princípio era o nada, “do vazio primordial de espaço e tempo wu (ainda que o conceito de vazio seja diferente do ocidental, ou seja, vazio refere-se à potencialidade da existência que, nesse momento, não era manifesta), se fez a unidade que permitiu o tai ji ser (tai ji diz respeito ao tradicional símbolo yin/yang do equilíbrio de opostos). O wu concede existência à unidade que, por sua vez, se converte na manifestação do tai ji, a “força” inicial (própria manifestação do dào).


É por isso que por sermos manifestos, nos é permitido a consciencialização da não-existência manifesta.


O tai ji é filho da mãe unidade e do vazio primordial wu, razão pela qual nunca somos capazes de nos separar dele. Assim sendo, a manifestação inicial concede, desta forma, o tai ji e este a possibilidade de existência de todas as coisas, uma vez que o tai ji contém o equilíbrio das duas concretizações yin e yang que, por sua vez, são o fundamento de tudo o que existe, como nos refere o Tao Te Ching (cap. 42, pela tradução do Mestre Wu Jyh Cherng):


“O Caminho gera o um O um gera o dois O dois gera o três O três gera os dez mil seres Os dez mil seres se cobrem com o obscuro e abraçam o claro E se harmonizam através do esplêndido sopro”

Entenda-se caminho como o dào e sopro como qi ou chi.


Portanto, o dào gera o um, o wuji que se vem a manifestar em unidade, o um gera o dois, a manifestação do tai ji (yin e yang) e este gera o três, as manifestações de yin e yang nos gua, os trigramas e o três, por sua vez, gera os dez mil seres.”


Assente neste princípio, existe a possibilidade de se considerar que, se somos resultado da manifestação “pós wu”, ou seja das “forças” simbolizadas no tai ji, antes do EU consciente, pode ser manifesta outra forma de existência cujo plano poderá ser espiritual ou energético, unindo-se e convertendo-se em biológico aquando da materialização, também ela biológica, do EU. Desta forma, este pensamento promove a possibilidade de considerarmos a manifestação de uma “cadeia de existências”, um fluxo contínuo de potencialidade de existência que, assim que conectada com o plano biológico, dá origem ao EU. Em termos mais simples, antes de mim é possível a existência de uma “energia” em trânsito, potencialmente resultante de um processo de reencarnação/transmigração, que se converterá em EU aquando da minha materialização biológica.


Em suma, decorre das ideias apresentadas a aplicabilidade dos princípios da física e de um conjunto considerável de crenças. Decorre, igualmente, a consideração de um princípio de continuidade da existência, cíclico, mutativo e aparentemente constante.


Somos resultado da manifestação universal e não deixamos de ser (existir). Tal mecanismo intermitente de consciência e materialização biológica aparenta ser apenas uma das diversas manifestações da possibilidade de existência.

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